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Série Camapuanenses: Professora Maria Olegária

on seg, 11/03/2013 - 12:17
segunda-feira, 11 Março, 2013 - 12:00

Com muito conteúdo e uma bela narrativa, caprichosamente acompanhada de um cafezinho da hora, iniciamos a nossa primeira entrevista da Série Camapuanenses. Um dedinho de prosa seria pouco para nossa convidada, afinal, trata-se de uma professora de História, que literalmente dá aula quando o tema é sobre a nossa terra.  Conversamos nessa edição com a Professora Maria Olegária Rodrigues Machado.

De início, a Professora que lecionou durante 32 anos nas Escolas Estaduais Camilo Bonfim e Miguel Sutil já entregou: “você teve sorte Targino, porque já pelejaram para eu ir a radio, escrever para jornal, mas gosto apenas de conversar informalmente”.

 Ela parecia adivinhar que nosso objetivo era justamente esse, conversar sobre causos de nossa cidade no autêntico jeitinho interiorano, puxando pro mineirismo, que por sinal é uma das raízes da tradicional família da Professora Maria Olegária.

O primeiro assunto que a Professora fez questão de nos contar, acompanhado de um texto antigo comprovando a veracidade do fato, foi a história dos Baianinhos, um conflito que começou devido a uma rixa familiar e contribuiu para a divisão do antigo Estado do Mato Grosso.

“Pouca gente sabe, mas essa história dos Baianinhos contribuiu para que anos depois acontecesse a divisão do Estado. Sua família se instalou no município e certa vez um dos irmãos (Dimas) foi morto, após um fazendeiro encomendar sua morte. Tempos depois a mãe dele ficou sabendo do ocorrido, ela estava grávida ao receber a triste notícia, então bateu em sua barriga e disse que aquele filho que ela estava esperando iria vingar a morte de seu irmão.”

“O segredo sobre a morte de Dimas se arrastou por muitos anos até esse irmão mais novo completar 20 anos, quando dentro de um cartório, onde resolviam uma questão de herança, a nora da mãe dos Baianos, que sabia do caso, contou para os outros irmãos, que montaram um grupo com características bandoleiras para vingar a morte de Dimas. Acabaram tendo como opositores a família do fazendeiro que encomendou a morte dele e também a polícia que tentava combater o grupo”.

 “O desfecho da história aconteceu em 1952, com o assassinato do delegado João de Andrade, que foi morto pelos Baianos em uma festividade na Capela, em Paraíso na Costa Rica. Os dois irmãos, depois de matarem João de Andrade, fugiram para a Bolívia e nunca mais se teve notícias. Esse conflito, assim como outros que nessa época aconteciam com frequência, era usado como pretexto por políticos do sul de Mato Grosso, para pressionar a divisão do Estado, dizendo que as autoridades em Cuiabá abandonavam essa região”.

“Minha avó participou desse conflito, aqui no relato que o neto de João de Andrade escreveu cita ela, Maria Messias, ela era muito medrosa, mas participou retirando algumas pessoas da linha de tiro”.

Quando perguntei sobre a origem de sua família no município fui surpreendido por mais uma história muito interessante:

“Meu avô Avelino Messias, que morava na região de Ribas do Rio Pardo, foi vaqueano durante a Coluna Prestes (pessoa que conhecia a região e ia à frente dos revolucionários mostrando o caminho). Aí veio para Camapuã e morou na região do Barreiro, isso no ano de 1924”.

“Na década de 70, uma turma da UNICAMP realizou um trabalho refazendo o trajeto que a coluna percorreu, inclusive convidaram minha avó para narrar alguns relatos de quando os revolucionários passaram por aqui”.

Ainda sobre a passagem da Coluna Prestes, nossa entrevistada nos brindou com um causo envolvendo o primeiro morador de onde se encontra a cidade de Camapuã, Francisco Faustino:

“Os revoltosos também pararam aqui na região do Saltinho, onde morava o Senhor Francisco Faustino, e olha que curiosidade: Francisco Faustino era casado com duas irmãs, ele morava junto com as duas, e naquela época o homem falava e a mulher aceitava, não tinha vez nem voz. Ele teve oito filhos com elas, e suas esposas se chamavam France Lina Inácia Barbosa e Sebastiana Inácia Barbosa”.

A neta do Senhor Avelino Messias, sem dúvidas é uma exímia conhecedora da história de Camapuã, e em nossa visita fez questão de falar da riquíssima história de nosso município, passando desde os Jesuítas, a Lenda da Gruta do Jeremias, os Bandeirantes, e muitos outros relatos que estão guardados em seu livro A História do Município de Camapuã, que ela começou a escrever em 1980 e depois sempre foi acrescentando textos, sendo o último texto inserido em 1992.

 Quando perguntei se o mesmo havia sido publicado, percebi, pela primeira vez, sua voz num tom de chateação:

“Quando o escrevi, o Sr. Joaquim Rosa era o Prefeito e me prometeu que iria mandar publicar o livro para termos nas escolas, não o fez. Depois veio o Victor Hugo, que também foi Prefeito e também disse que iria publicar e não publicou, ou seja, as autoridades da época não se interessaram.

 “Esse livro aqui (Camapuã) foi escrito por uma professora de Rio Verde, ela conta um pouco da história de Camapuã, de Campo Grande, da região e o prefeito Vitor Hugo na época pagou para ela escrevê-lo.”

Logo nossa convidada, em meio a um rico acervo de recortes de jornais, revistas e livros sobre Camapuã, deu um jeitinho de mudar de assunto e dar seguimento a prosa.

“Eu sempre gostei de guardar esses materiais! Olha, tem esse aqui que ganhei do Senhor Airton do Valle, que é muito bom, é uma lista de poemas políticos da cidade, do Estado e do Brasil, escritos por Manoel Alexandre Barbosa de Aladim. O Sr. Airton, conhecedor do meu gosto pela história, me presenteou há muito tempo com essa publicação”!

Orgulhosa de sua relíquia, ela fez questão de ler um entre os poemas que foram escritos em 25 de fevereiro de 1957.

 “O D por ser positivo

Põe o U. e o N. a perder

O D. deseja que o Rosa

Perfume bem o seu poder

D. é descente e distinto

Demais agradece a Filinto

O Chefe do P.S.D.”

Logo entramos no assunto educação, onde a Professora que lecionou nas escolas Miguel Sutil e Camilo Bonfim entre 1969 á 2001 demonstrou sua preocupação com o ensino em nosso país. Questionada sobre algum fato que marcou sua carreira de magistrada, ela nos contou que durante a Ditadura Militar foi convidada a depor por duas vezes na delegacia, pois consideravam a professora subversiva, segundo ela, devido ao respeito que os alunos tinham com a mesma.

Outro relato que a Professora classificou como o que á deixou mais triste em sua carreira foi sobre um abaixo assinado:

“Em 1986 teve uma greve de professores, o pessoal ficou com raiva de mim, do Professor Divani, da Professora Zezé e da Professora Cléofa. Nós fizemos essa greve e depois que ela encerrou-se veio um Processo da Secretaria de Educação, porque os pais dos alunos fizeram um abaixo assinado para nos tirar das salas de aula, e isso me deixou muito triste, porque eu sempre defendia a cidade com unhas e dentes e você ficar sabendo que um abaixo assinado foi feito pedindo pra você ser extirpada da sociedade, porque, segundo eles, eu atentava contra a moral e a família, foi muito dolorido”.

Mesmo sabendo que muita história interessante ficaria para trás, eu fui encaminhando para encerrarmos a prosa. Relatei que tal série tinha o objetivo de valorizar a Cultura e a História do Município, que foi inspirada nas histórias que ouvia de meu avô, e ela me presenteou com mais alguns causos de sua avó, que segundo ela, foi a primeira mulher a se candidatar a um cargo político em Camapuã.

Finalizamos nossa primeira entrevista desfrutando do valoroso arquivo de materiais da Professora Maria Olegária Rodrigues Machado, que contam um pouco da história de Camapuã.

 

Texto: Aloizio Targino, com colaboração de Julianelly S. Machado.