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Artigo: Moisés Mancebo Manhães Junior - Ética e Política - Parte I

on sex, 11/09/2015 - 11:37
sexta-feira, 11 Setembro, 2015 - 11:30

 

Moisés Mancebo Manhães Junior

Professor

 

Há evidências mais do que suficientes da ausência de conformidade, em nosso país e no mundo, no século presente, com o distanciamento da ética com a política. Não é novidade que entre as conversas informais que participamos a culpa recai, sem piedade, contra os políticos em geral atribuindo-lhes a responsabilidade quase total do fracasso das referências morais inerentes ao exercício das suas funções públicas. São nesses encontros casuais condenatórios que percebo a inexistência de menção aos alicerces morais da sociedade que elege os seus representantes.

Ora, se a desvalorização da ética caminha em direção oposta à sua nobre definição, o que de fato existe, o discernimento de que não é só na política que tal ato se revela, mas se derrama por todos os segmentos da sociedade numa desconstrução macro dos valores perenes em detrimento de um modelo neoliberal que propõe o cinismo de uma disputa de todos contra todos. E isso tem nos contatminado.

Assim, a discussão desse tema que envolve o relacionamento da ética com a política, sob o meu ponto de vista, deve iniciar-se pelo conceito amplo dos seus respectivos campos e conjuntos funcionais para, posteriormente, promover o debate sobre a estrutura produtiva da sociedade no âmbito ético, moral, político, filosófico, econômico e social, pois a atitude ética e política incluem o homem na guerra entre o bem e o mal, sobre o certo e o errado.

Ética é filosofia e despreza a operacionalidade impregnada na necessidade que muitos admitem na expressão “faço determinadas obras para receber algo em troca” como se não houvesse nobreza no sentido mais eficaz que a ética pode realizar, infinitamente mais, à alma do ser humano, isto é, inundá-lo de felicidade.

Certa vez, questionado de forma veemente em sala de aula sobre o que realmente seria ética por um estudante do Ensino Médio, insatisfeito e desacreditado com os políticos municipais, levei-o virtualmente à Praça Central de nossa cidade onde há um monumento em memória aos dez mandamentos de Deus e, em seguida, lhe disse que o comportamento de cada um de nós diante daquelas normas é o que nos define como pessoas éticas ou não. Desta maneira, a ética corporifica-se num conjunto de convicções que refletem a nossa conduta no cotidiano e que passam a constituir a base moral da sociedade na qual vivemos e somos agentes responsáveis para erigir o edifício de direito que rege a vida da sociedade. Não menos relevante, a vida política que também está sujeita à ética.

Não foi possível procrastinar a oratória sobre o conceito de política àquele aluno com vistas à complementação do conceito político, ou seja, do exercício do poder numa coletividade por meio de uma atividade operacional que visa resultados concretos. Portanto, ética e política são duas filosofias que se encontram e se articulam em favor do bem, do bem que conduz à virtude e do bem público, alvo principal da política e a mais nobre das atividades humanas.

Hoje, articular ética e política não são coisas tão simples de se fazer (deveria ser) e é onde emergem os maiores conflitos no que tange às tomadas de decisões de interesse público que entram em choque com o conceito ético pela exigência popular de um representante do povo que tenha o perfil de líder-filósofo – como na antiguidade grega – incapaz de fragmentar a ética de seus procedimentos administrativos. Vale lembrar que para Maquiavel, após ter passado o período religioso da Idade Média, esse representante não cabia mais naquela atualidade e o bem público radicalizou-se na intenção de não ser um fim em si, mas um instrumento de manutenção do poder.

É notável que por séculos as três maiores religiões monoteístas, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, mantiveram por séculos e milênios o fundamento da ética e das normas de comportamento para o ser humano fundamentadas num Ser divino de ordem transcendental. Essa, todavia, não é a ética da qual falamos aqui, mas a laica que nasceu na Grécia, outrora proclamada por Sócrates, Platão e Aristóteles e, ainda, mais estendida entre os helênicos e os romanos até o advento da hegemonia do cristianismo.

Paralelamente, depois de muitos anos, pensadores americanos questionados por Kant sustentaram a tese de que a ética não tem fundamentação de natureza transcendental, mas ela se constrói na prática em cada sociedade por um acerto entre seus membros denominado de contrato coletivo em que a noção de bem e mal são específicas desses cidadãos e também variáveis de cultura para cultura. Um desses americanos foi John Rawls que construiu um conceito de justiça sob a assertiva de que ninguém conhece sua posição original na sociedade, ou seja, como se os indivíduos não soubessem a sua função no grupo de convivência.

Em contrapartida, o que se exige da política é, não a igualdade, mas a equidade (que tem vínculo, acredite, com a Teologia) em linhas de ação que reduzam, necessariamente, as desigualdades que afligem, perturbam e confundem o entendimento da práxis ética e política em nossas vidas.

Por fim, retorno à primeira análise afirmada nas primeiras linhas deste texto e pergunto: quem de fato é o réu nas iniciais dos nossos juízos de valor?