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Camapuanense fez tatuagem para lembrar do irmão que teve a vida interrompida muito cedo
quinta-feira, 31 Outubro, 2019 - 09:00
A tatuagem na perna é o jeito que Klaus Albino Ferreira achou para continuar a vida do irmão, Kauê, interrompida pelo suicídio. “Ele era quieto, mas conversávamos sobre serviço, estudos. Nunca demonstrou nada, e eu dizia que se tivesse algum problema poderia contar comigo”, lembra.
Tatuagem realista mostra Kauê sorrindo (Foto: Eduardo Mariani)
A homenagem ficou pronto no dia 26 deste mês, executada pelo tatuador Eduardo Mariani. Klaus percorreu 141 quilômetros de Camapuã a Campo Grande só para fazer a tatuagem. A imagem escolhida para eternizar na panturrilha foi à fotografia do irmão sorrindo. “Ele estava feliz e prefiro guardar a imagem dele assim”, afirma.
Klaus tem 29 anos, é eletricista, e relata os momentos de angústia que passou ao descobrir que o irmão caçula sofreu em silêncio. “Tínhamos uma boa relação. Somos em três, eu, ele e a nossa irmã Kauane. Vivia aqui em Camapuã, mas depois se mudou com nossos pais para Mato Grosso. Porém, mesmo distantes mantínhamos o contato. Tinha ido pra lá passar as férias e nos divertimos. Estava tudo normal, até que 15 dias depois recebi a notícia”, lembra. O caso aconteceu em maio de 2018.
Klaus conta que o caçula era uma pessoa mais reservada, desde pequeno. “Nossa criação foi assim. Éramos unidos, a gente gostava muito de assistir e sair juntos. Ele gostava de filmes de terror, adorava a série ‘The Walking Dead’. O ultimo dia que fomos ao cinema, foi divertido. Assistimos ao filme que ele queria e era de terror”, recorda.
Kauê se divertindo com o sobrinho (Foto: Arquivo pessoal)
A notícia foi um choque para o mais velho, que ficou responsável por avisar o pai sobre a tragédia. “Foi um susto, a gente nunca espera por isso. Cinco dias antes eu tinha conversado com ele por telefone, e estava tudo normal. Não sei dizer o que houve, mas dá uma saudade imensa. Nunca vou esquecê-lo, o amor é eterno. Às vezes, a gente chora, fica triste”, desabafa.
Kauê sofreu em silêncio, infelizmente ninguém prevê o futuro, e não deu para Klaus evitar que a tragédia acontecesse, embora fosse o seu mais desejo. Contudo, a triste experiência o deixou mais alerta com as pessoas a sua volta. “Passei a prestar mais atenção ao redor. Conheço gente com depressão, às vezes, acha que é uma bombeira, mas é doença. Tem que ajudar”, destaca.
Camiseta que era de Kauê ainda está com Klaus (Foto: Arquivo pessoal)
Para ele, não tem como superar a dor, “ela apenas ameniza”. Em sua casa estão objetos que lembram o irmão, como uma camiseta escrita o nome de Kauê da época de escola, um fone de ouvido que o caçula adorava. Partiu cedo, mas Klaus continua a luta por ele. “O Kauê ajudava nossa mãe, agora eu faço isso”.
Amor de mãe - A atitude de Kauê deixou a mãe, Nair Albino de Souza, 50 anos, sem chão. Os dois moravam numa kitnet em Rondonópolis e tinham uma relação de amor e alegria. “Era tudo pra mim. Não consegui ver que estava doente, porque sempre foi quieto. Se pudesse, morreria para ele voltar”, diz ela aos prantos.
Os irmãos, Kauane, Klaus e Kauê reunidos (Foto: Arquivo pessoal)
Lembrar do filho é mexer na ferida que nunca cicatriza e mesmo se quisesse, não daria para segurar as lágrimas. Dá saudade, tristeza e até revolta, mas Nair tenta continuar em frente. Ela relata que Kauê fazia planos de ser advogado e conseguiu entrar na faculdade, porém a situação financeira fez com que trancasse o curso. “Depois a faculdade cobrou R$6 mil por quebra de contrato”, recorda a mãe.
“Ganhava pouco, mas queria fazer o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]. Trabalhava numa oficina e soube que na semana seguinte do ocorrido, que ele subiria de cargo. Estava pagando a moto, tinha tirado a habilitação, mas o dinheiro não dava muito. Tinha uma preocupação excessiva, acho que isso prejudicou”.
Ela recorda que duas semanas antes, o filho teve um sonho estranho. “Pedi para rezar, ir à igreja comigo. Certa vez comentou que estava cansado, que não aguentava mais e queria sair do aluguel. Pedi para que tivesse paciência”.
Klaus e o irmão, Kauê durante um passeio no shopping (Foto: Arquivo pessoal)
Tragédia - A mãe lembra do dia em que tudo aconteceu. Era uma sexta-feira aparentemente normal, mas Nair notou que o filho quis passar mais tempo com ela, em casa. “Costumava acordar cedo para trabalhar, mas naquele dia ficou na cama até mais tarde, e falei que chegaria atrasado”. Na hora do almoço, Kauê retornou para almoçar e até brincou com o sobrinho. “Foi a mesma coisa, ficou mais com a gente e foi novamente para o trabalho”.
Antes de sair, perguntou se Nair visitaria sua avó, pois daria uma passada lá também. “No final da tarde chegou lá e sentou, um amigo o viu e perguntou se estava bem. Respondeu apenas que estava cansado. Voltou primeiro que eu pra casa, disse que faria bolinho de chuva. Quando fui pra casa também, ele estava comendo e tomou tereré”.
Lá pelas 21h, uma sobrinha passou no local e convidou-os para comer fora. “Ele não quis ir, disse que já tinha comido e só pediu para trazer um suco. Quando cheguei lá, do nada, deu vontade de ir embora”.
Nair retornou com a sobrinha e percebeu que as luzes estavam apagadas, mas achou que o filho estava querendo assustá-la, já que tinha essa mania. “Falei para parar de brincadeira e quando acendi a luz o vi já sem vida. Entrei em desespero, comecei a gritar. Nunca mais voltei ao local”, afirma.
A imagem perturbadora abalou as emoções de Nair, que hoje faz tratamentos com psicólogos e psiquiatras. “Já tive depressão há muito tempo, agora voltou. Minha mãe também sofreu muito, toma remédios para dormir”. Agora, pouco mais de um ano, ela ainda tenta se recuperar do trauma e luta por dias melhores.
Nair Albino de Souza abraçada com o filho, Kauê que está ao lado da irmã, Kauane (Foto: Arquivo pessoal)
Após o ocorrido, Nair passou a observar mais o comportamento das pessoas e tenta ajudar como pode. “Converso quando vejo alguém na rua e ajudei uma moça que estava passando por dificuldades. Falei bastante com ela, e se sentiu melhor. Vou sempre visitá-la e também não gosto de ficar sozinha”, finaliza.
Fonte: Campo Grande News