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Supostas fraudes ameaçam sistema de cotas na UFMS
terça-feira, 6 Novembro, 2018 - 15:45
foto: Bruno Henrique / Correio do Estado
Acadêmicos do curso de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) denunciam fraudes na utilização das cotas utilizadas pela instituição destinadas a pessoas negras ou pardas, deficientes físicos e com baixa renda. Segundo eles, alguns estudantes beneficiados têm estilo de vida incompatível com o preconizado no edital quando o quesito é renda. Outros deixam dúvidas em relação ao fenótipo e tem até acusação de laudo médico falsificado. O Ministério Público Federal (MPF) foi acionado para investigar os casos.
Cartazes espalhados pelo Centro Acadêmico do curso dão indícios da existência do problema, mas os alunos são reticentes em falar sobre o assunto. À reportagem do Correio do Estado, acadêmicos reforçaram não serem contrários às cotas, mas lamentaram a má utilização da política social por alguns e falta de fiscalização por parte da instituição.
OS RELATOS
Ao menos 23 casos de fraudes foram citados pelos estudantes. Dentre eles, o de um aluno que teria fraudado laudo médico para ter acesso às cotas para deficientes alegando ser surdo. Ele chegou a ser denunciado na Ouvidoria da UFMS, mas nada ficou comprovado.
Outros casos mais recorrentes são de alunos que alegam ter renda familiar igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo e meio por pessoa, mas têm carro próprio, pagam comissão de formatura no valor de R$ 250 mensais e até “ostentam” fotos de viagens e festas nas redes sociais. Isto sem contar os egressos de cursinhos pré-vestibulares de alto padrão.
Estudantes que ingressaram por meio das cotas reservadas aos negros também não apresentam o fenótipo exigido pela UFMS.
A instituição trabalha com características fenotípicas para negros e pardos. São elas: “a textura do cabelo crespo ou enrolado, o nariz largo e lábios grossos e amarronzados”, conforme informações publicadas em editais.
Os candidatos que disputam reserva de vagas para indígenas precisam entregar cópia do Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI), ou uma declaração da liderança indígena atestando que eles pertencem àquela comunidade.
Os que ingressam por meio das cotas para deficientes físicos precisam enviar laudos médicos e exames que comprovem a deficiência. Os documentos também são avaliados por uma banca que emite parecer favorável ou não ao estudante.
A renda familiar também é comprovada por meio de documentos como carteira de trabalho e contracheque que também são avaliados por uma comissão, mas não há detalhes se os servidores vão até os endereços indicados, por exemplo, para verificar a veracidade das informações prestadas pelos estudantes.
CASO ANTIGO
À reportagem do Correio do Estado, o subsecretário de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial e Cidadania de Mato Grosso do Sul, Leonardo de Oliveira Melo, comentou que, teve conversas anteriores com representantes da instituição sobre o tema. Isto porque ele já foi procurado por estudantes.
“Você desmotiva o próprio candidato. Porque não adianta ser negro. Para conseguir tem que estar entre os melhores”, pontuou ele, afirmando que alguns estudantes temem represálias caso denunciem o assunto.
O Ministério Público Estadual já foi acionado ao menos três vezes para verificar a situação da efetividade das cotas na UFMS.
Conforme informações da assessoria de imprensa do MPF, denunciaram pessoas que haviam se inscrito nas cotas destinadas para negros e pessoas com deficiência.
Um caso foi arquivado em maio deste ano após chegarem a conclusão que não havia irregularidades. Outro arquivado em agosto pelo mesmo motivo.
Atualmente tem um inquérito na Procuradoria Regional de Direitos do Cidadão (PRDC) para "apurar a (ir)regularidade do método de identificação do componente étnico-racial dos candidatos inscritos no sistema de cotas para ingresso no ensino superior, implementado na UFMS em cumprimento às determinações contidas na Lei n° 12.711, de 29 de agosto de 2012".
Ainda conforme a assessoria de imprensa, durante as investigações, "a UFMS comunicou a constituição de comissões específicas destinadas a coibir fraudes no âmbito das vagas reservadas para negros".
RESPOSTA
A reportagem entrou em contato com a universidade para ter um posicionamento sobre o assunto. Em nota, eles informaram que “todos os casos em que é formalizada denúncia são investigados e a comunidade universitária pode auxiliar nesse processo com a formalização de denúncias na Ouvidoria, noticiando fraudes, fato que, se constatado, pode gerar a exclusão do aluno”.
Ainda segundo a assessoria da UFMS, em se tratando de pessoas com deficiência, “ o candidato deve apresentar laudo médico comprobatório, que é submetido à análise de uma comissão. Se não atender as condições legais, os laudos são refutados após oportunizado o contraditório e direito de defesa”.
A instituição informou ainda que, “a partir de 2019, todas as pessoas com deficiência selecionadas pelo sistema de cotas terão os laudos avaliados no ato da matrícula. A comissão para análise dos laudos médicos é formada por especialistas em educação especial e em saúde”.
Os candidatos que ingressam por cotas raciais são avaliados, desde 2017, por meio de uma comissão. Em janeiro deste ano, uma banca foi formada para verificar a veracidade das informações. Em 2018 foram avaliados 882 pretendentes, sendo aceita a condição para 540 destes candidatos.
Por fim, a UFMS respondeu que, “o Ministério Público Federal é cientificado de todas as medidas implementadas para fiscalização do cumprimento das cotas e essa atuação da Universidade é realizada com a única finalidade de garantir os direitos às cotas para alunos provenientes de escola pública, negros e indígenas e pessoas com deficiência, além daqueles em vulnerabilidade social, para a construção de uma universidade pública democrática, inclusiva e de qualidade”.
O Centro Acadêmico do curso de Medicina, onde estão os cartazes de protesto, também foi procurado e, também por meio de nota, enfatizou a necessidade de uma investigação. “Nós do Camed nos posicionamos favoráveis a uma investigação das irregularidades aqui presentes para que ocorra uma aplicação coerente das atribuições constatadas em lei”.
Ainda conforme a publicação, o Camed “enfatiza seu repúdio a quaisquer atividades que ferem o direito ao acesso devido às vagas destinadas à população parda/negra, e que contribuam com a manutenção da hegemonia histórica das classes dominantes e das discrepâncias sociais e educacionais”, finalizaram.
Fonte: Correio do Estado